Um dos primeiros presentes que as mães de meninas recebem são brincos de ouro para furar orelha de bebê. É como se fosse um padrão firmado em contrato que toda menina deve sair da maternidade com a orelha furada.
Mas será que isso é mesmo necessário?
Me lembro como se fosse hoje, do dia que li um texto no Facebook de uma colega, que havia se tornado mãe recentemente explicando porquê não furar a orelha de sua filha.
Eu que na época não fazia ideia de que em breve estaria naquele mesmo lugar, fiquei muito impactada por aquelas palavras que reverberaram por muito tempo dentro da minha cabeça, até chegar a minha vez.
A cultura de furar a orelha de bebê recém nascido
Furar a orelha do bebê que acabou de nascer é cultural. Sua mãe, sua avó, sua bisa, suas tias e provavelmente grande parte da sua família fazem parte dessa cultura que visa pela manutenção da tradição.
Sem questionar, ou refletir sobre o porquê isso é importante.
Quando questionadas, logo gritam dizendo “olha pro bebê, nem parece menina”, como se isso fosse um motivo plausível para submeter uma recém nascida a um procedimento estético totalmente irrelevante.
No entanto, a tradição de colocar brincos em meninas logo quando nascem faz parte de um movimento muito maior. Que prioriza a manutenção de uma sociedade patriarcal que define o lugar de menina / mulher desde antes de seu nascimento.
E para ser sustentado, esse sistema precisa estar intimamente ligado a valores inegociáveis, como a família. Afinal, quem é o monstro que negaria o pedido de uma avó que implora para furar a orelha do bebê?
Dessa forma, eles conseguem manter as mulheres nas rédeas, nos mínimos detalhes.
Consequências de não furar a orelha do bebê
Quando a minha filha nasceu, eu tomei a decisão de não furar a orelha dela. Confesso que não foi fácil lidar com as críticas dos outros.
Apesar de ser um procedimento totalmente irrelevante para mim – eu não via sentido em submeter minha filha recém nascida a um procedimento estético que não traria nenhum benefício palpável para ela.
Era algo muito importante para a minha família. Então lutar contra essa crença de que meninas precisam ter a orelha furada é algo realmente desgastante para quem está no puerpério.
Entretanto, quando me tornei mãe, me comprometi a viver a maternidade de forma consciente respeitando não só meus limites, como os limites da minha filha.
Eu pensava, “como posso falar com ela sobre os limites que ela precisa impor sobre o próprio corpo, desde criança, se eu, sendo mãe, não a respeitei”?
A dúvida acima criou um questionamento tão grande em minha cabeça, que eu decidi esperar, até que ela decidisse quando iria querer colocar um brinco.
E esse momento chegou…
Como furar orelha de uma criança grande?
Depois de muitas críticas da família, resisti a crença / tradição de que criança deveria usar brincos desde o nascimento e esperei até que minha filha começasse a se interessar pelo acessório.
Claro, que não foi fácil. A cada aniversário o questionamento persistia “bota um brinco nessa criança”, era o que eu mais ouvia de pessoas próximas.
Mas nunca cedi à pressão. Até que minha filha cresceu e com anos começou a falar que gostaria de usar brincos. Claro que esse movimento foi inspirado por assistir eu, minha irmã e outras mulheres da família se arrumando e utilizando o acessório.
De toda forma, respeitei o desejo dela e começamos a maturar juntas a ideia de furar a orelha. Eu havia prometido que se ela quisesse mesmo, quando completasse 6 anos, nós furaríamos a orelha dela.
E assim fizemos. Foi um grande evento com direito a mãe, tia e avó segurando os braços e pernas da criança, gravando, fazendo graça para ela se distrair e não pensar tanto na pistola que se aproximava da orelha dela.
Mas no final deu tudo certo e ela tinha o brinco que tanto queria.
Sobre respeitar o corpo da criança
Esse texto não é uma tentativa de te fazer culpada por ter furado a orelha do bebê recém nascido, muito menos para tentar convencer qualquer pessoa do quanto isso é errado. Muito pelo contrário.
É um desabafo para nos incentivar a ser mais críticos perante as “tradições” milenares da sociedade patriarcal que mais nos aprisionam do que libertam.
Independente de qual seja a sua escolha, é importante ter em mente a boa relação entre mãe e filha.
Porque se não, a mãe fica achando que é dona do corpo da criança e que pode fazer qualquer procedimento sem consentimento.
Um filme muito bom que fala sobre respeitar o corpo e os limites do seu próprio filho é o Uma Prova de Amor, com a atriz Cameron Diaz. Que narra a história de uma mulher que tem uma filha com câncer, que acaba tendo uma outra filha com o objetivo de “curar a irmã”.
E a personagem de Cameron fica tão focada em salvar sua filha do câncer, que esquece de amar e respeitar sua segunda filha, que até então é saudável e precisa de tanto cuidado e afeto como qualquer outra criança.
Acho que vale a reflexão do quanto estamos respeitando as crianças e o quanto estamos ensinando-as a respeitar a si mesmas.
Agora me conta aqui nos comentários o que você acha sobre o assunto, se concorda ou discorda e como você lidou com essa pressão de furar a orelha da sua filha.